quinta-feira, 26 de março de 2009

RECORDAR É VIVER

Me peguei lembrando de coisas absurdamente velhas , digo, passadas, caídas do galho mesmo.
Cheguei a sentir até o cheiro de coisas que eu nem experimentei. Isso pode acontecer?
Fiquei lembrando de, quando era pequena, tinha um homem na porta da minha escola, na época, grupo escolar, no final das aulas, esperava que os meninos saissem em disparada, em sua direção com toda a fome. Ele tinha um banquinho e em cima deste, um enorme tabuleiro de um doce com uma cor fantástica, cheiroso e cheio de coisas em cima. Era chamado de quebra queixo.
Um doce de coco, mole, puxento que eu ficava encantada , quando ele o partia, o doce saia do tabuleiro até chorando, puxando, puxando e deitando em um pedaço de papel e depois , para as mãos de algum garoto que o deliciava e me deixava com água na boca.
Hoje , depois de mais de 40 anos, eu ainda consigo sentir o cheiro daquele doce que me encantou e deixou com vontade. Nunca senti seu gosto.
Tinha vontade de voltar ao tempo para poder sentir pelo menos o seu cheiro de novo.



Outra coisa eram as balas que o baleiro vendia na porta da escola. Eu estudava pela manhã, e todos os dias às 11 horas, pela janela da minha sala, eu o via subir a rua para se estacionar no portão do grupo. Sempre que ele passava, eu me aprontava , meio que discretamente, para o final da aula.
Ele era meu relógio. Ah, tinham aqueles pirulitos de puxa puxa, de biquinho. Tinham também aquelas balas maravilhosas que
encantavam toda a meninada.

Dizioli, melzinho, pirulito campeão e pirulito zorro. Eu amava aquilo tudo. Na porta da escola, os vendedores eram invasores, como ETs que vinham nos abduzir com suas guloseimas. Meu Deus, como tudo aquilo era gostoso e fantástico. Eu nunca tinha dinheiro para comprar, mas eu cometia pequenos delitos dentro de casa, como roubar as moedinhas que estavam em cima do móvel , e ficava sonhando ansiosamente para que chegasse o outro dia e poder gasta-las com aquelas delicias.
Ah tempo bom,,, inocência, felicidade, pureza. Será que isso , ainda existe hoje?
Não as guloseimas, que sei que não existem mais como antes, mas essa ingenuidade de cometer um roubo de moedas de sobras de compras da mãe para comprar os doces. Não existia a tentação de drogas, bebidas, de nada parecido, apenas aquelas maravilhas de doces que adoçavam nossas vidas e hoje adoçam nossas lembranças.




Como era bom tudo isso. Agora pude ate sentir o cheiro do almoço de casa, quando chegava faminta da escola, frustrada por não poder comer aquele quebra queixo,mas feliz por comer a comidinha da mamãe e brigar com meus irmãos, na disputa de quem iria sentar na cadeira principal, de frente a TV para assisti aos Três Patetas.
Lembranças. Gostosas e saudosas lembranças.
Hoje, posso ver novamente os Três Patetas, se quiser,mas nada vai me fazer esquecer aquele tabuleiro que ficava na porta da escola com aquele doce dos Deuses.
E aquele “ taca taca taca” barulho estanho vindo de um instrumento esquisito que um vendedor tocava e que saia esse som. Ele vinha trazendo "bijus" para vender, nossa. Eu experimentei e até hoje não gosto, mas o taca , taca, taca ainda passa na porta das casas.
E aquele barulhinho de uma roda estranha (esmeril) rodando em uma geringonça que vinha em cima de uma bicicleta. Era o homem que amolava facas. Meu Deus, quantas lembranças boas, ingenuamente boas.
Lembranças do café da manha, que meu pai fazia, das músicas que ele escutava, do programa de rádio que ele ouvia ( Del Mario é o Espetáculo). Na hora do almoço, era um programa de esportes no rádio que aprendi a gostar de tanto ouvir. As propagandas dos remédios de dor de dente, de intestino preso.O jornal da rádio Itatiaia que só lembro das tragédias que eram evidenciadas e que me assustavam.
Lembro do medo que eu tinha do viaduto das almas, do homem saco, do João bobo, do Goiaba, um homem que tirava sons incríveis do seu pente e que usava uma peruca de meia de mulher, que tocava todos os domingos na missa da manhã.
Lembro quando fui fazer aulas para a minha primeira comunhão, onde um padre,novo, ou era um seminarista, não sei, nos ensinou que o diabo existia e que iria nos pegar à noite. Fiquei sem dormir por semanas, até que meu pai foi ao colégio, onde eu estudava para reclamar do padre, e deparou com outros pais cujos filhos também não dormiam depois da bobagem que o padre havia dito. Eles o mandaram embora, e v
oltamos ás nossas aulas. Ah minha primeira comunhão. Eu linda, de branco, comi pela primeira vez a hóstia que achei um horror, que Deus me perdoe, mas um gosto horrível e que grudava na boca. Mas para isso, tive que confessar meus pecados ao padre no confessionário. Não como esses do big brother, mas um lugar estranho, uma cabine escura , onde não víamos a cara do padre, só falávamos e ouvíamos.
- “ Eu pequei padre, falei nomes feios, gritei com minha mãe e briguei com meus irmãos.Nossa, quantos pecados eu cometia. Mas, a compensação logo viria , quando , no domingo depois da primeira comunhão, íamos comemorar no salão da igreja com café com leite, bolo e biscoitos. Que maravilha viver nessa época.

Éramos de uma família grande, de oito irmãos. Com uma diferença de 3 anos. Papai saia para trabalhar e a família "Von Traap” ficava na porta de casa, todos juntos, gritando para o papai, ao som das nossas vozes: “Te logo e vai com Deus, Te logo e vai com Deus”..Éramos conhecidos por todos na rua.

Quando o papai chegava do seu trabalho, ( ele era funcionário público do tal do INPS, IAPAS, IAPB, sei lá) e trazia pra nós, canudinhos. Aqueles docinhos que tem doce de leite dentro e passados no açúcar. Nossa.

Quando o primeiro homem pisou na lua, comemoramos com k-suco e
pão de queijo que mamãe sempre fazia . Foi uma comemoração e tanto.







Na copa de 70, na famosa seleção campeã que jamais existirá outra igual, comemoramos jogando na calçada,papeis picados, cortados dos jornais de domingo que papai comprava e guardava.Eu me apaixonei pelo Tostão, imaginem.




O primeiro sutian, que ninguém esquece. E não esqueci mesmo,porque era uma coisa horrível e vergonhosa. E ficar moça, então? Quando as famosas regras chegavam. Nossa, quanta coisas as mocinhas daquela época tinham que, vergonhosamente, passar. Hoje, bem sei como sente uma mocinha ( se é que podemos chamar de mocinha quando tem que usar o seu primeiro absorvente).

E eu que pensei que não tinha lembranças dos meus tempos de criança. Descobri que é só puxar a linha da memória para podermos lembrar de tudo, de tudo
mesmo, até das
balas delícias que a mãe do meu colega Reinaldo fazia.

Minha doce e amada vida. Eu tive uma vida. Eu tenho lembranças.

Hoje, não mais posso comer doces, pois sou diabética, mas ainda penso no quebra-queixo que eu não senti o gosto. Do doce de fita que tanto minha irmã Márcia amava.

Dos pasteis comprados escondidos no Bambino, um barzinho perto de casa que eu e meu irmão Mário nos deliciávamos dentro do quarto fechado para que ninguém visse.

Que delícia viver, que delicia recordar.
Espero q
ue, a geração depois da minha e as outras e as outras também, possam lembrar de tudo isso. Talvez, não com tanta ingenuidade, mas com carinho para poder contar aos outros, como eu estou fazendo agora, de como crescemos, vivemos e aprendemos.

Um comentário:

  1. Muito legal!!! tem coisas que tbm é da minha epoca e que só existem nas lembranças...é mto bom relembrar....


    puebla

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