quinta-feira, 17 de março de 2011

MULHERES MARAVILHOSAS

Poetisa,
Henriqueta Lisboa nasceu em Lambari, MG, em 1903 e morreu em Belo Horizonte em 1985.

Surgindo no decênio da Semana de Arte Moderna, Henriqueta marcou o seu lugar, em nossas letras, num tom que tanto se distanciou da objetividade realista quanto da musicalidade ultra-simbolista e das tropelias lúdicas do Modernismo. Vinha para descobrir pouco a pouco o seu próprio caminho. Só. Figura solitária. Sua poesia confunde-se com o afã de tangenciar o indizível, de ultrapassar os limites léxico-semânticos da palavra e, afinal, como queria Rilke, de penetrar a essência da poesia. Por isso nos comove tanto, sem recorrer a qualquer artifício sentimental. Sentimos que seus versos são a secreção de uma vida e não apenas um devaneio caprichoso. As palavras vêm para ela, como se não fossem símbolos ou arquétipos, valores ou sinais, mas as próprias coisas, os próprios sentimentos, as próprias sensações. É perfeição de natureza ascética, adquirida à força de difíceis exercícios espirituais, de rigorosa economia vocabular. Atingiu-se o momento em que a poesia se oferece, direta e simples, mas de uma simplicidade que significa paradoxalmente maior complexidade e riqueza interior. Henriqueta Lisboa é dos maiores poetas em língua portuguesa.


(Esse "arranjo crítico" foi feito com frases de Guilhermino César, Ivan Junqueira, Carlos Drummond de Andrade, João Gaspar Simões, Manuel Bandeira, Alphonsus de Guimaraens Filho e Otto Maria Carpeaux sobre a obra de Henriqueta Lisboa)


 
Canção do berço vazio

Henriqueta Lisboa

Canção do berço vazio
nunca a ninguém acalenta,
nenhuma voz a cantou.

Canção de lábios cerrados
que estremeceu no silëncio
muito antes de ter princípio.

Canção de peito oprimido
que não encontra palavras
porque nem o berço existe.

Ah! quem sonhara acalantos,
fontes escorrendo leite
para inconcebidos anjos?

Num país irmão da noite
canção da loucura mansa
para ouvidos que não ouvem...

Canção do berço vazio
entrecortada de pratos
e de risos escondidos...

Lá do outro lado do mundo
canção sem nenhum sentido
pobre louca está cantando.

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Comunhão

Henriqueta Lisboa

Ângulos e curvas se ajustam
formando um volume, um todo:
somos uma cousa única,
eu e a lembrança do morto.

Nada de excêntrico ou de incerto
para a alma nem para o corpo:
união natural e completa
como a de líquidos num copo.

A solidão perdeu aos poucos
a rispidez. E foi a chave.
Eu e a lembrança do morto
em comum, temos vida própria
- não excessivamente grave.


Casa de Pedra, Editora Ática, 1980 - São Paulo - Brasil.

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